MARIO DE SA-CARNEIRO



A Confissão
de Lucio



NARRATIVA



1914

Em casa do autor

1, Travessa do Carmo

Lisboa




INDICE

Capitulo I
Capitulo II
Capitulo III
Capitulo IV
Capitulo V
Capitulo VI
Capitulo VII
Capitulo VIII




A
Antonio Ponce de Leão




... assim eramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo bemse o outro não era êle-proprio, se o incerto outro viveria...

FERNANDO PESSOA
Na floresta do alheamento




Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e doqual, emtanto, nunca me defendi; morto para a vida e para os sonhos;nada podendo já esperar e coisa alguma desejando—eu venho fazeremfim a minha confissão: isto é: demonstrar a minha inocência.

Talvez não me acreditem. Decerto que não me acreditam. Mas poucoimporta. O meu interesse hoje em gritar que não assassinei Ricardo deLoureiro, é nulo. Não tenho familia; não preciso que me reabilitem.Mesmo, quem esteve dez ânos preso, nunca se reabilita. A verdadesimples, é esta.

E àqueles que, lendo o que fica exposto, me perguntarem:«—Mas porque não fez a sua confissão quando era tempo? porquenão demonstrou a sua inocencia ao tribunal?»—a essesresponderei:—A minha defesa era impossivel. Ninguem meacreditaria. E fôra inutil fazer-me passar por um embusteiro ou por umdoido... Demais, devo confessar, após os acontecimentos em que me viraenvolvido nessa época, ficara tão despedaçado que a prisão se meafigurava uma coisa sorridente. Era o esquecimento, a tranquilidade, osono. Era um fim como qualquer outro—um termo para a minha vidadevastada. Toda a minha ansia foi pois de ver o processo terminado ecomeçar cumprindo a minha sentença.

De resto, o meu processo foi rapido. Oh! o caso parecia bem claro...Eu nem negava nem confessava. Mas quem cala consente... E todas assimpatias estavam do meu lado.

O crime era, como devem ter dito os jornais do tempo, um «crimepassional». Cherchez la femme. Depois, a vitima umpoeta—um artista. A mulher romantisara-se desaparecendo. Eu era umheroi, no fim de contas. E um heroi com seus laivos de misterio, o quemais me aureolava. Por tudo isso, independentemente do belo discurso dedefesa, o juri concedeu-me circunstancias atenuantes. E a minha pena foicurta.

Ah! foi bem curta—sobretudo para mim... Esses dez ânosesvoaram-se-me como dez meses. E que, em realidade, as horas não podemmais ter acção sobre aqueles que viveram um instante que focou toda asua vida. Atingido o sofrimento maximo, nada já nos faz sofrer.Vibradas as sensações maximas, nada já nos fará oscilar.Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que ovivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos,ou—apenas—os desencantados

...

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