Dezembro 1861.
Pela mão vos trago um vate:
Amigo Anthero,
Aproxima-te á machina: o retrato
Quero fique a primor. Eia! Arrepela-me
Essas bastas gadelhas côr das messes
Lá quando ao largo foge em tarde estuosa
O grande Moribundo! Ergue essa fronte!
Fita-me com esse olhar tão sobranceiro
De vivo lume cheio e puro aféto!
Inclina mais ao lado o teu sombrêro,
E assenta no quadril a mão segura
Do braço firme e leal. Estende a perna…
Deixa ficar-te assim, que estás famoso.
Dezembro 1861 STÉNIO
A João de Deus
Como ha para cada latitude uma estrela, para cada estrela uma luz sua;ha para cada evolução da Arte uma forma propria, unica, perfeita.
A forma compteta do lirismo puro é o Soneto.
A Ode, como a flor esplendida do cátus, abre aos quatro ventos doentusiasmo as suas petalas brilhantes, fortes, ardentes como os voosaltivos, mas seguros, do genio que julga o espaço seu e tenta avassalaro mundo.
Aquela pompa deslumbra: mas quando o vento da tarde passar, talvez váachal-a pendida sobre os espinhos da áste, semimorta, sem que doesplendor da manhã lhe reste mais que a túnica de purpura ja desbotada,em que se envolve como uma rainha decaída no manto da sua antigarealeza.
Imaginação luxuriante, profusão de ideas, babel confusa de mil elementosencontrados—como reduzir tudo isto á unidade, ao simples?
Impossivel. Aquela forma veste uma substancia: é manifestação verdadeirae exáta d'uma evolução da Arte: mas reduzil-a á simplicidade, ninguem opode fazer, por que a substancia d'aquela forma é complexa, como o mundoque a gerou. Não é o lirismo puro.
Entre o Mosteiro da Batalha e essa selva gigantesca de colunas, ogivas,abobadas, portáes, chamada Catedral de Strasburgo, ha toda a diferençaque vai do simples ao complexo, do belo ao grandioso.
Ora o lirismo—o lirismo puro e estreme—vive do belo e não do grande,de simplicidade e não de profusão: o sentimento é um—simples—por queé a parte eterna, imutavel, divina do homem: o olho com que vemos aDeus, a mão com que lhe palpamos o seio. A inteligencia, a fantatasia,são complexas, profusas, multiplas, por que são o mutavel, oprogressivo, a porta por onde nos entra o mundo, o pulmão com queaspiramos e respiramos o universo, o imenso.
A Catedral de Strasburgo é a grande obra da arte humana, o trabalho demil inteligencias, o pensamento da humanidade n'uma época da sua vida;um Faust d'estrofes de marmore. O Mosteiro da Batalha é a tocantetradução do sentimento eterno da alma, da aspiração imutavel a Deus, aoAmor-unico, um Evangelho escrito a escopro e buril: uma é ainda a terra;o outro é ja o ceu.
Pois bem: a ode, o lirismo de cabeça, aonde se espelha o universo,será a Catedral da Meia-Idade: mas o soneto, o lirismo puro da alma, aidea que traduz o eterno sentimento, é o Mosteiro da Batalha.
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Por que?
Por que ha uma forma para cada idea; por que o vestido deve ajustar-seao corpo, por que c