INFELIZES
Anna de Castro Osorio
INFELIZES
(HISTORIAS VIVIDAS)
LISBOA
Empreza Litteraria Lisbonense
LIBANIO & CUNHA
145—Rua do Norte—145
1898
Áquelles que no mundo estimo[VI]
omo n'essa noite uma febre intensa me tomasse,uma grande saudade, uma grande piedade, me invadiu o espirito, por todos ostristes, por todos os humildes—os infelizes da terra...
No principio da doença, quando o corpo começa de sentir o embate grosseirodo mal, que o vencerá; quando o frio nos arrepia a carne, n'um estremecersangrento, n'um espicaçar de venenosas agulhas; vem-nos um profundo egoismo,um completo esquecimento dos outros. Na contemplação das nossas dôres, tudomais desapparece sem nenhum valor.
Depois, a intensidade da febre espiritualisa-nos, a alma desliga-sedo[VIII]corpo extenuado e sóbe a mais alto. O proprio soffrimento se desdobra n'umavaga e serena piedade por tudo o que existe, por todos os que choram...
Então, n'uma d'essas horas de sonho e de nitidas recordações, eu lembreipobres almas inferiores, tristes desvairamentos em grandes espiritos, máguasinconfessadas—que a minha alma conheceu ou presente nos humildes, nosdesprezados...
D'alguns me lembrei fallar; outros ficaram na piedosa tristeza da minhamemoria—não porque as suas lagrimas me pareçam menos dignas de seremrecolhidas, não porque sejam menos estimados, mas porque quasi n