BOM-SENSO E BOM-GOSTO
CARTA
AO EXCELENTISSIMO SENHOR
ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO
POR
Anthero do Quental
NOVEMBRO DE 1865
BOM-SENSO E BOM-GOSTO
CARTA
AO EXCELENTISSIMO SENHOR
ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO
POR
Anthero do Quental
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1865
{3}
Ex.mo Sr.
Acabo de ler um escripto[1] de v. ex.ª onde, a proposito de faltas debom-senso e de bom-gosto, se falla com aspera censura da chamada escholalitteraria de Coimbra, e entre dois nomes illustres[2] se cita o meu, quasi desconhecido e sobretudo desambicioso.
Esta minha obscuridade faz com que a parte de censura que me cabe seja sobremaneira diminuta: em quanto que, por outro lado, a minha despreoccupação defama litteraria, os meus habitos de espirito e o meu modo de vida, me tornamessa mesma pequena parte que me resta tão indifferente, que é como que se anada a reduzissemos.
Estas circumstancias pareceriam sufficiente para me imporem um silencio, oumodesto ou desdenhoso. Não o são, todavia. Eu tenho para fallar dois fortesmotivos. Um é a liberdade absoluta que a minha posição independentissima dehomem sem pretenções litterarias me dá para julgar desassombradamente, comjustiça, com frieza, com boa-fé. Como não pretendo logar algum, mesmo infimo,na brilhante phalange{4} das reputações contemporaneas,é por isso que, estando de fóra, posso como ninguem avaliar a figura, adestreza e o garbo ainda dos mais luzidos chefes do glorioso esquadrão. Possotambem fallar livremente. E não é esta uma pequena superioridade neste tempo deconveniencias, de precauções, de reticencias—ou, digamos a cousa pelo seunome, de hypocrisia e falsidade. Livre das vaidades, das ambições, das miseriasd'uma posição, que não pretendo, posso fallar nas miserias, nas ambições, nasvaidades d'esse mundo tão extranho para mim, atravessando por meio d'ellas esahindo puro, limpo e innocente.
A este primeiro motivo, que é um direito, uma faculdade só, accresce umoutro, e mais grave e mais obrigatorio, porque é um dever, uma necessidademoral. É esta força desconhecida que nos leva muitas vezes, ainda contra avontade, ainda contra o gosto, ainda contra o interesse, a erguer a voz peloque julgamos a verdade, a erguer a mão pelo que acreditamos a justiça. É ellaque me manda fallar. Não que a justiça e a verdade se offendessem com v. ex.ªou com as suas apreciações. Verdade e justiça estão tão altas, que não têmolhos com que vejam as pequenas cousas e os pequenos homens das infimasquestiunculas litterarias d'um ignorado canto de terra, a que ainda se chamaPortugal.
Não é isso o que as offende. Mas as idéas que estão por de trás dos homens;o mal profundo que as cousas apenas miseraveis representam; uma grande doençamoral accusada por uma pequenez int